Entramos em Vila Cova vindos de Côja, e se pararmos na fonte dos Passarinhos, que acolhe e convida a um momento de tranquilidade e, pelo calor, oferece água como não há outra, é ainda, o rio senhor do regalo dos nossos olhos.
Mais à frente, num pequeno enfiamento da paisagem, rio e ponte valorizam-se mutuamente, uma reflectindo-se nas águas calmas do outro, conseguindo um aro completo que tem tanto de surpreendente como de irreal.
Já na povoação, de qualquer casa do lado esquerdo sobre as arribas, do Pinheiral, da cerca do Convento ou do Adro, domina-se o Vale do Alva, o rio, a represa, o moinho e as amplas várzeas.
Se é de cima, do alto, que o vale se domina, cabe perguntar de onde virá a designação de “cova”, a esta Povoação, resposta que só encontra quem, dos pinheirais fronteiros, descendo de Vila Pouca para a Digueifel, a vislumbra aconchegadinha nas faldas da Serra, a grande Serra da Estrela, a Serra que lhe transmite tantas das suas características, a Serra a que Vila Cova se orgulha, por certo, de pertencer.
Aliás, o topónimo é muito frequente. Já não há que lhe procurar o sentido. “Do Alva” é que a distingue e antes era de “Sub-Avô”, como rezam documentos antigos e velhos dicionários corográficos que no-la descrevem.
“Sub-Avô” em que “Sub” não tem qualquer significado de subordinação administrativa nem outra qualquer, de qualquer ordem, á povoação vizinha.
Vila Cova foi sede de Concelho, só extinto em 1836, com priorado, sendo donatários os Bispos de Coimbra e Condes de Arganil, já que Vila Cova pertencia a este condado. Até há bem pouco tempo, os Bispos de Coimbra usavam o título, como podemos verificar num pequeno quadro de prescrições que, á entrada da igreja matriz, se encontra no rebordo de uma das suas colunas, que suportam o coro.
Vila Cova teve um Juiz ordinário, 2 vereadores, 1 procurador do Concelho, 1 escrivão de Câmara, e três do Judicial, de notas e de órfãos e 1 companhia de ordenanças.
Em 1527 no cadastro da população, ordenado por D. João III, Vila Cova possuía 89 fogos, quando Arganil tinha 96, Côja 83, Barril 10 e Vinhó 7.
Uma aproximação é possível a partir de um “rol de confessados”, citado pelo prior António Ferreira dos Santos, num levantamento feito em 1721 e que fala em 196 fogos com 666 pessoas “de sacramento”, segundo a sua expressão.
Teve foral concedido pelo Bispo de Coimbra D. João Galvão, datado de Janeiro de 1471, foral este que cita outro anterior, dado por D. Estêvão Anes, provavelmente entre 1304 e 1318. O foral é confirmado por D. Manuel, na “Leitura Nova”, em 1514.
Uma terra com estes sinais externos de importância e envergadura não podia deixar de ter uma vida de bom nível económico.
Pinho Leal, em 1884, no seu “Portugal Antigo e Moderno” fala nas produções: “milho, centeio, feijão, vinho, castanhas, azeite e frutas variadas, muito saborosas, nomeadamente melões” e aponta um certo movimento industrial ao falar em “dois lagares de azeite e oito moinhos ou azenhas no Alva para moer cereais”. Fala, ainda, no fabrico de canastras de vergas de castanheiro “que exporta em grande quantidade para todo o distrito”. Outras fontes falam também numa fábrica de queijo.
A “Comarca de Arganil”, em Novembro de 1990, lembra que em Vila Cova de sub-Avô havia um mercado, inaugurado em 21 de Junho de 1914, por deliberação da Câmara de Arganil e da Junta da Paróquia de Vila Cova, no 3º Domingo de cada mês, junto ao Porto de Avô. Não há noticia de quando deixou de se realizar.
Esta vida próspera ainda é reconhecida em 1936 por Alfredo Alves da Cruz que considera Vila Cova, nesta data, como uma das mais progressivas do Concelho de Arganil.
Deve reconhecer-se que a um punhado de homens notáveis, naturais de Vila Cova, ou de qualquer forma a ela ligados, se devem contributos, expressos ou imagináveis, para o bem estar e bom viver e para a construção de casas e monumentos que ainda hoje conserva.
Entre esse punhado de homens há a destacar: António Nunes Homem e sua mulher, que em 1935 construíram e dotaram um hospital para pobres; o desembargador da Casa da Suplicação, Dr. Luís da Costa Faria que deu o nome à praça, governador da Índia e que, ao regressar, ofereceu grande ajuda á edificação do convento e subsidiou e forneceu madeiras para a construção da igreja matriz; o Dr. Francisco de Figueiredo, lente de Cânones da Universidade de Coimbra e o Conselheiro José Cupertino da Fonseca Brito, juiz de fora, secretário geral do Governo Civil de Coimbra, deputado às Cortes Constituintes em 1826, podendo-se ainda referir os dois compradores sucessivos do Convento, Dr. Alexandre Cupertino Castelo Branco e Conselheiro Albino Abranches Freire de Figueiredo.
Não podia realmente, ser sinal de subordinação a Avô a partícula Sub do antigo nome de Vila Cova. A razão da sua mudança para do Alva não tem qualquer objectivo de fuga a um estigma, mas antes a adesão inequívoca ao rio, já que a ele também se devia a anterior, pois de Avô, rio abaixo, se encontra Vila Cova. A história é breve e merece ser contada. Assinou o Dr. Moura Pinto (da Quinta dos Vales), um projecto-lei em que propunha uma forma de pôr fim ás rixas entre populações “pacíficas e generosas” como as do Barril e Vila Cova de Sub-Avô. O Barril ambicionava a sua independência administrativa. Diz-se no referido projecto-lei que “a povoação do Barril atingiu a sua maioridade e a de Vila Cova não carece de ela para a sua vida” e “não há intuito pessoal ou mesquinha politica”, dando-se, até, a circunstância de (o signatário) viver e ter os seus haveres na velha freguesia de Vila Cova, á qual continuará a pertencer, desejando apenas o bom nome, a prosperidade e o sossego a que os seus conterrâneos têm direito, pela vida honrada que sempre levaram, movendo-o apenas um “propósito de justiça” a “que é absurdo pôr obstáculos”. E não os puseram as entidades a quem o projecto foi sujeito e de quem dependia a solução, pois obteve pareceres favoráveis da Comissão de Legislação Civil e também da Comissão de Administração Pública. Assim, a freguesia do Barril foi criada.
Situadas as povoações á beira do Alva, cada uma em sua margem, ambas desejaram tomar para si, como complemento de nome a expressão “do Alva”: Vila Cova do Alva, Barril do Alva. Estávamos em 1925 e Sub-Avô ficou para a História.
Uma história a que á prosperidade se juntou um sentido estético, numa aliança da qual veio a resultar a construção de boas e características edificações e a encomenda e compra de obras de arte para o seu recheio.
Um antigo inventário, uma descrição dos bens valiosos de Vila Cova deve-se ao já referido Prior. António Ferreira dos Santos que o elaborou em 1721, em resposta a um pedido dirigido pela Academia Real da História, que se propunha elaborar uma história local do País. Para tal foi enviada ás autoridades civis e eclesiásticas uma circular e um correspondente inquérito orientador do levantamento a fazer. Apenas como curiosidade, noto que as declarações eram feitas sob juramento, tinham prazo para ser entregues e uma pena de 4.000 reis pesaria sobre quem não respondesse.
Temos acesso a este documento através de uma cópia que se encontra no Arquivo da Universidade de Coimbra.
Ao serem percorridas as ruas de Vila Cova deparam-se edifícios e vestígios de boa instalação e vida dos poderes públicos, dos particulares e da igreja.
Entre esses edifícios a “Casa da Praça”, antiga casa da Câmara e Cadeia – assim nomeada nas descrições – e entre as gentes de Vila Cova conhecida como antiga Casa do Povo. É sem dúvida o edifício mais antigo, dos princípios do séc. XVII, o mais belo, o mais característico apesar de algumas excrescências feitas ao longo do tempo. Há a destacar as vergas das sacadas, os aventais em “bacia”, os gradeamentos; o Pelourinho, ali ao lado, datando do séc. XVI, insere-se nitidamente na arte manuelina, com o seu fuste octogonal, molduras na base e no capitel, este infelizmente muito gasto pela acção do tempo na sua pedra mole, revelando ainda adornos nas faces e esquinas. Dentre as edificações públicas contamos ainda com a sólida ponte – que liga Vila Cova á Digueifel – bastante mais moderna, mas, mesmo assim, antiga do séc. XVIII, um belíssimo exemplar de granito, há ainda a referir, para o fontanário de S. Sebastião, com a sua tão curiosa e alegre decoração de azulejos. O pouco que dele se sabe é de ouvido, está este fontanário ligado ao nome do notável pintor e ceramista italiano, Leopoldo Battstini, que veio para Portugal em 1888, curiosamente contratado para professor da Escola Industrial Brotero, de Coimbra. Radicou-se posteriormente, em Lisboa e a ele se deve a renovação e o desenvolvimento da indústria artística da cerâmica em Portugal, nomeadamente através da sua Fábrica Constância, ás Janelas Verdes.
Não se deverão os azulejos directamente a Battistini. Pelas datas prováveis serão sim da Fábrica por ele criada, mas já sob a direcção de Maria de Portugal, sua ex-discipula, que mantinha relações de família ou de amizade aqui em Vila Cova.
Casa solarenga também as há. Mato Sequeira, nos Palácios e Solares Portugueses, refere as Casas dos Condes da Guarda e dos Osórios Cabrais, os mesmos, estes últimos, da Quinta das Lágrimas de Coimbra.
A Rua Direita é toda ela quinhentista. As casas correntes, mesmo sem nada de solarengo, apresentam-se com ombreiras e vergas de belíssimo granito, muitas delas chanfradas e, dentre estas últimas alguns exemplares arqueados ou com lóbulos, decoração tão própria do estilo manuelino.
Passando á arquitectura religiosa, a igreja paroquial, que possivelmente implantada no local de um templo anterior, e de uma população cuja origem poderá remontar á época romana, foi edificada em 1712, sofrendo ampliações e reparações posteriores. Segundo a inscrição latina da sua frontaria, é “dedicada ao nascimento da bem aventurada Virgem Mãe de Deus”, Nossa Senhora da Natividade. É um exemplar muito característico da arquitectura regional da época, com granito a avivar portas e janelas de forma simples, lisa ou ligeiramente ornamentada. No interior, os seus cinco retábulos de talha dourada de colunas torcidas, são ainda da 1ª metade do séc. XVIII. Nos tectos apainelados vêem-se pinturas, bastante prejudicadas pelo tempo com motivos ornamentais característicos da época, na capela-mor e com cenas de vida de Santos no Corpo da Igreja.
De entre a escultura distinguem-se a Virgem com o Menino, S. Pedro e S. Paulo no altar-mor e a Virgem do Rosário e Santo António nos altares laterais. Como boas imagens, mais antigas, ainda do séc. XVI, temos S. Sebastião, com características renascentistas e a Piedade, de calcáreo na capela da esquerda.
Das alfaias litúrgicas anda referida uma custódia de prata dourada, ainda do séc. XVI, com um resplendor mais tardio, e um cálice de prata dourada do séc. XVIII.
Passamos á igreja da Misericórdia, na Praça, que tem uma bela e característica frontaria do séc. XVIII, sendo anterior, do séc. XVI-XVII, o nicho da Virgem com o Menino.
Temos também a Igreja do Convento de Santo António, que começa por distinguir-se pela sua sólida construção. São referidos nas descrições que, correm os 2 metros de espessura das suas paredes que permitiram que, dentro de uma delas, fosse talhada a escada de acesso ao coro.
A talha dos altares é rica, do 1º terço do séc. XVIII. No retábulo principal são figurados os Santos da Ordem, S, Francisco e Santo António. Tem boas imagens, distinguindo-se pelo seu valor a de Santo António, e pelas suas dimensões de tamanho natural, “colossais”, assim se lhes refere uma descrição antiga, as imagens do Calvário: Cristo crucificado, a Virgem e S. João Evangelista, implantadas sobre o cruzeiro.
No coro alto, sobre o átrio, temos um cadeiral de castanho com espaldares apainelados, de duas ordens de cadeiras, com rótulos ornados de querubins.
O Convento dos Franciscanos Reformados da Província da Conceição foi criado no princípio do séc. XVIII. Há notícia de que o lançamento da primeira pedra data de 1713, num período considerado e declarado por escrito, “de religiosidade florescente na paróquia de Vila Cova”. Admite-se que tenha sido pensado para acolher religiosos de idade avançada e doentes, e a relação apresentada à Academia de História já referida, do pároco Ferreira dos Santos fala em “hospício ou mosteiro” construído “com esmolas dos fiéis”, sabendo-se, não obstante, que o grande apoio foi prestado pelo desembargador da Casa da Suplicação Luís da Costa Faria, que é dado, de facto como seu fundador e na igreja está sepultado. Extintas as ordens religiosas pelo decreto de Maio de 1834, de Joaquim António de Aguiar, os frades abandonaram o convento, e o edifício, oficinas e a cerca toda murada, as terras de lavoura, horta e mata foram vendidos, em hasta pública, em Novembro de 1841, por 1 conto e 241 mil reis, e passou a ser uma residência particular. Excluíram-se da venda, a Igreja e seu espólio, sendo os paramentos e outras alfaias distribuídos por várias igrejas do arciprestado razão porque nela não se encontram peças de culto da antiguidade e valor. Como “fait divers”, que alivia a narrativa, refiro uma curiosidade ligada a este convento: os habitantes de Arganil, com o seu pároco, solicitaram á rainha que lhes oferecesse um sino do extinto Convento, já que a igreja local há muito necessitava de substituir o seu. O despacho foi positivo, sem contar, porém, com a viva oposição do povo de Vila Cova, que fez saber pelos meios ao seu alcance que o sino, “só debaixo de fogo lhe seria tirado”.
Perante tão viva oposição, a petição foi retirada e os olhos dos requerentes caíram sobre outros sinos de outros conventos extintos da mesma ordem, da cidade de Coimbra, Santo António dos Olivais e S. Francisco da Ponte.
Graças a este Convento, Vila Cova foi também chamada e conhecida por Vila Cova dos Frades.
Outros factos, para além da dispersão dos bens conventuais explicam que do esplendor de Vila Cova não tenham restado mais e maiores vestígios. Existe uma relação de roubos, incêndios e mortes devidos aos soldados franceses que, desordenadamente retiravam em 1811, informação prestada pelo pároco de Vila Cova, Padre Manuel Lopes Garcia. Foram alvos privilegiados os Igrejas Matriz, da Misericórdia e do Convento.
Regista ainda a história, a razia que por toda a beira fizeram grupos de salteadores, como o dos Brandões de Midões, nos fins do século passado, particularmente de João Brandão.
Ainda sobre o Convento, há a referir que o mesmo foi muito transformado, como é natural, para adaptação a residência particular, para a qual a imaginável simplicidade e austeridade de celas, refeitório e oficinas, não oferecia o mínimo de um almejado conforto. Mantém-se, da origem, a galeria térrea do claustro, com as colunas suportando os lintéis e um gracioso púlpito, para leitura, metido numa parede de uma grande sala, naturalmente o refeitório.
Das capelas da freguesia, aqui muitas pelos aspectos históricos e arqueológicos, distingue-se a capela de S. João do Alqueidão.
Segundo o Padre Januário Lourenço dos Santos, a capela foi construída em 1633 e é um nítido aproveitamento de um templo anterior, de maior vulto, de que se encontraram restos subterrâneos das suas paredes, sepulturas, com cabeceiras da época medieval, com a cruz de malta, no terreno circundante, naturalmente o cemitério, e, ainda, fragmentos de cerâmica.
O Padre Januário orientou um programa de escavações com jovens do OTL em 1986, pondo a descoberto o corpo principal da igreja, que supõe ter sido de uma só nave.
Inegavelmente por influência ainda, deste Padre, o Serviço Regional de Arqueologia da Zona Centro, com subsídio da Câmara de Arganil, prosseguiu em Julho de 1989 as explorações arqueológicas. Estas últimas explorações, confirmando as conclusões anteriores, parecem confirmar também que a uma igreja daquelas dimensões terá correspondido um povoado importante, do qual seria a igreja matriz; o fraco material de construção, a má implantação, por falta de água e as difíceis condições para a agricultura, terão sido as mais prováveis razões da morte da povoação de Alqueidão.
A tradição conta, porém, outra versão mais consentânea com o que, através dos tempos se gosta de contar e de ouvir: havia em tempos muito recuados, em tempo de “mouros” – já que ou Mouros são elemento de referência de antiguidade privilegiado pelo povo – rivalidades e questiúnculas entre os habitantes de Vila Cova e de Alquinitia, que a tradição diz ser a forma de que deriva Alqueidão. As lutas travadas teriam deixado Alqueidão vencida e depois abandonada. Não é numa mera tradição que se baseia esta hipótese, mas num documento muito antigo, do ano de 936, que refere estas querelas, mas do qual não se pode concluir que a Vila Cova e Alquinitia a este Alqueidão, já que são topónimos, frequente o primeiro e não o único do País, o segundo. O ilustre medievalista Rui de Azevedo, considera que, efectivamente, não correspondem.
A capela de S. João de Alqueidão encontra-se muito ligada á vida de Vila Cova, o Santo S. João, foi e ainda é hoje festejado, no seu dia, com missa, na própria capela a que se segue uma procissão com a sua imagem, até á igreja paroquial, procissão festiva que foi produzida de forma fiel e viva pelo pintor Sérgio da Fonseca, figura de Vila Cova cujo nome se deve reter, que levou esta presença da sua terra ao público da capital onde realizou a sua última exposição em 1988.
Não haverá festa como a deste santo popular para trazer alegria ás gentes deste Pai.
Pus dentro do meu balão uma fita branca nova/ Escrevi-lhe “Paz e Amor”/Fui deitá-la a Vila Cova.
Canta Maria Pena, por ocasião das festas em 1985. Festas que têm sido sempre pretexto para arraial; arraial que tem sofrido a sua evolução mas que corresponderá em cada época para cada geração á forma como gosta de se divertir.
Alegria e festa muito se devem em Vila Cova á sua Filarmónica “Flor do Alva”, e á sua actividade sem interrupção. Não há domingo de Verão em que não saia a animar as festas das redondezas e aqui é promotora de saudável convívio, através de bailes, piqueniques, campeonatos vários, excursões e magustos, chamando também a si um papel formativo e educativo notável através da sua Escola de Música, que foi mantendo, através dos tempos, num apelo constante aos jovens, que garantirão a sua continuidade, mas que, desta maneira, também beneficiam, instruindo-se e ocupando de forma proveitosa tanto do seu tempo livre.
Alegria e festa, festa/convívio do cepo a arder na Praça pelo Natal e Ano Novo, nos tempos de música e bom humor que o “Grupo Som e Vida” proporcionou, lamentavelmente, numa vida efémera de 3 anos, nas exibições do Grupo Desportivo Vilacovense.
Sem alegria, nem propriamente festa, também se pode reconhecer nas celebrações da Semana Santa, no Encontro e na Procissão do Enterro, uma ocasião de convívio, para além do seu sentido religioso, ponto alto da liturgia católica, ao reviver-se um dado de uma cultura passada, cujos cantos e encenações os mais velhos recordam e transmitem em longos e repetidos ensaios.
Convívio que fomenta a união, união imprescindível a todo o esforço conjunto para o progresso e desenvolvimento de uma terra e o bom estar de uma população. É de uma união de esforços que surgem serviços e núcleos que, na prossecução dos seus objectivos, partilham as preocupações e responsabilidades de todos: a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, o Grupo Desportivo Vilacovense e a já referida Filarmónica Flor do Alva.
Vila Cova foi terra de confrarias e irmandades. Em 1597 existiam as do Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora do Rosário e S. Sebastião; em 1614 foi criada a dos santos Mártires Abdon e Sénen, cujas relíquias, por testamento do Dr. Francisco de Campos, em 1608, contidas “em cofre de veludo carmim de ferragem dourada”, foram doadas a Vila Cova e entregues a João Nunes aqui morador, como procurador da Câmara desta Vila. Da irmandade das Almas já há notícia em 1723.
Da fundação da Misericórdia pouco se sabe e da Irmandade, fala-se a propósito, da sua fusão com a referida Irmandade das Almas, em 1755. Da sua história contam-nos um pouco os Estatutos de 1888, ficando a saber-se que as receitas eram aplicadas em médico para socorrer os pobres da freguesia e para comprar medicamentos, para vestir alguns pobres pela Semana Santa, para ajudar a construir a “Casa da Escola”, assim lhe chamaram, e fornecer livros e material escolar a alunos, também pobres.
É uma responsabilidade histórica a que pende sobre os ombros da actual Irmandade.
Sentido social e do valor da cooperação e trabalho conjunto, em defesa dos interesses comuns, provam-no a existência da Liga Regional Vilacovense em 1960, e a Cooperativa Agrícola dos Olivicultores do Vale do Alva, infelizmente, na actualidade inactivas.
Há a referir que qualquer obra ou festa faz sempre apelo á comparticipação de todos. As obras na igreja paroquial e na da Misericórdia, as dificuldades financeiras da Filarmónica, quando há que comprar fardas e substituir instrumentos, as despesas das festas de S. João…. Há sempre mordomos e comissões zelosos, e tudo acaba por ser produto de um esforço conjunto, com contributos muito significativos, é justo que se realce, dos Vilacovenses que vivem fora da terra mas a ela e aos seus problemas se mantêm unidos e atentos.
Vila Cova teve um passado glorioso, vimos, mas naturalmente, inimitável. Não se conseguiria, nem valeria a pena recria-lo, tentar repor uma imagem fiel de outros tempos; importa sim tentar descobrir o que pede o momento que se vive e encontrar o caminho próprio viável. É uma lei para todas as terras em todos os tempos.
Em 1936 a vida em Vila Cova ainda é considerada próspera. Não o foi nos anos que se seguiram, ou não foi e, se calhar desde sempre, de igualdade para todas as camadas da população. A vida correu lentamente, sob o peso da interioridade. O litoral, a capital, outros países até, exerceram uma atracção sobre a população, aqui como por toda a chamada “província”, a população que se rarefez com uma consequente e natural perda.
Encontramos na pequena novela de Mário Braga “Vale de Crugens”, publicada em 1958, a imagem de um dia a dia daqueles que já só viviam, ou já quase só viviam de uma agricultura cheia de contingências.
Fala-nos de um Verão em que “as ribeiras estavam secas e o céu continuava limpo de nuvens. O Alva corria por um estreito fio de água verde cingido á margem direita, que não fazia, sequer, rodar o engenho da moenda. O calor abafava o vale “, por outro lado mostra os estragos das invernias quando diz: “sobrevoado por turbilhões de trovoadas juntas, arrastando aos pulos nas águas barrentas, abóboras, troncos e caniços”, soltando rodas de azenhas, pondo garotos chapinhando “na água, correndo atrás das maçãs e das peras. Dia em cheio para eles. Inverno de fome…” Um no Vale de Crugens; mais adiante conta que, num dado Outono, “as trovoadas devastaram mais uma vez a várzea do Alva, e o ano foi de fome para a gente do vale”.
É ainda o Alva a polarizar a vida da população e a atenção do romancista; o doce Alva cantado pelo poeta e tão apreciado por todos nós, acusado de malfeitorias, das quais o temos que ilibar acusando antes as trovoadas e o degelo da Serra.
Quem conhecendo Vila Cova tenha privado com Mário Braga á data da publicação desta novela, sabe bem que Vale de Crugens escondia o verdadeiro nome da terra cuja vida dura se descreve e que é efectivamente Vila Cova do Alva.
A quem conhecendo Vila Cova sem privar com o autor em causa, também não lhe resta a mínima duvida de que Vila Cova se trata, já que se fala “na aldeia entalada entre as íngremes vertentes de um estreito valeiro nos contrafortes da Estrela”; a protagonista é Maria da Natividade – o orago da freguesia – e, ela, em pequena, “saltava sobre as pedras limosas do açude que franjava de branco as águas do Alva em frente do moinho desviando uma torrente rateada para a roda”. Refere “a casa do convento vasta e com um torreão em bico em cada canto”, “antigo mosteiro de frades”, o negro poço da Fraga no rio, um Zé dos Peixes, os músicos a ensaiar na Casa do Povo; as notícias da cheia que vêm de Avô e em Pomares a força da corrente” arrastara um ror de Oliveiras”, o mesmo acontecendo nas freguesias de Arganil; fala-nos que os homens vão para Lisboa procurando “uma vida mais limpa”, partindo com a vontade de voltar para montar um negócio na terra, mas, que, realmente voltar, não voltam.
Mas Vila Cova já saiu deste quadro negro; a comunicabilidade é hoje uma realidade, Vila Cova está diferente. Em Vila Cova há hoje tudo o que em outras terras mais desenvolvidas se encontra para que se viva com o essencial.